sábado, 13 de dezembro de 2008

O gabinete de curiosidades de Rodolfo II em Praga



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Os Gabinetes de Curiosidades (ou Quartos das Maravilhas) viraram moda entre soberanos e nobres metidos a intelectualebas durante os séculos XVI e XVII na Europa. Neles ficavam guardados todo tipo de objetos que fossem considerados raros: quadros, antiguidades, animais esquisitos empalhados, insetos secos, conchas, pedras, fósseis, esqueletos, instrumentos científicos, etc. Um dos mais célebres foi o que o imperador Rodolfo II mantinha em Praga.
Eu mesma tive meu gabinete de curiosidades quando criança: um bauzinho de madeira escura, forrado de veludo vermelho, onde guardava tudo quanto era quinquilharia. Meu "acervo" contava com peças raríssimas como: dois filhotes de libélulas (uma verde e uma azul fosforecente); um escaravelho; borboletas pequenas; duas imagens pequenininhas (daquelas pra colocar no porta-níquel) - uma de Santo Antônio e outra de Santo Onofre; três caroços de romã daquelas simpatias de Ano Novo; um bonequinho do Pica-pau que achei na rua; algumas moedas antigas do tempo do Império; quatro botões de roupinha de bebê com desenhos de bichinhos; alfinetes de fralda do Mickey e do Pato Donald; conchas de Cabo Frio; uma ametista; plásticos com desenhos de personagens Disney que vinham na parte interna das tampinhas de Mineirinho (ou seria de Grapette?); fichas redondas coloridas que eles entregavam nos ônibus; um montão de gravuras de papel com imagens de santos; uma bússola; uma lupa; selos; etc.
Quando você visita o Museu Narodni (=Nacional) em Praga - não confundir com a Galeria Narodni (que exibe um ótimo acervo de pinturas: tem uma do Bronzino que eu amo e está ilustrada aí na parte lateral do blog) - pode ver animais estranhos e raros empalhados que bem podiam estar num gabinete de curiosidades. Realmente, muitos dos objetos que faziam parte dos Gabinetes de Curiosidades passaram a integrar, posteriormente, nos séculos XVIII e XIX, o acervo de museus de arte e história natural por toda a Europa.
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Rodolfo II Habsburgo (1552-1612) - visto nas pinturas acima - foi Imperador do Sacro-Império Romano Germânico, Rei da Boêmia e da Hungria. Filho de Maximiliano II e Maria da Espanha (filha de Charles V e Isabel de Portugal), nasceu em Viena e foi educado na corte de seu tio Filipe II da Espanha. Seu gosto pelas ciências naturais e ocultas, astrologia e artes transformou-o num grande mecenas e talvez num dos personagens mais excêntricos de sua época. Ele chegou a "colecionar" anões e a manter um regimento de gigantes em seu exército. Em sua famosa corte, em Praga, vivia cercado de astrólogos, astrônomos (Tycho Brahe e Johannes Kepler), alquimistas (John Dee) e artistas (Giuseppe Arcimboldo, que pintou seu "Vertumnus" retratando Rodolfo). Rodolfo mantinha seu próprio laboratório alquímico, onde realizava experimentos a fim de descobrir a Pedra Filosofal. Quando jovem, teve seu mapa astral preparado por ninguém menos que o próprio Nostradamus.
Rodolfo nunca se casou e diziam que ele era homossexual, entretanto, ele teve vários filhos bastardos. Um deles ficou famoso pela sua crueldade (e dizem que ele assombra o Castelo de Český Krumlov), mas, deixarei para contar essa história (digna de filmes de terror) no próximo post.
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Rodolfo II e Tycho Brahe.
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"Rodolfo II como Vertumnus" (Giuseppe Arcimboldo, c.1590).
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domingo, 10 de fevereiro de 2008

O buscador



Um buscador é alguém que busca, não necessariamente alguém que encontra. Também não é necessariamente alguém que sabe o que está buscando, é simplesmente alguém para quem sua vida é uma busca permanente...
Um dia o buscador sentiu que devia ir a cidade de Kammir, de maneira que abandonou tudo e partiu. Após dois dias de marcha em empoeirados caminhos, lá longe divisou a cidade. Um pouco antes de chegar, chamou-lhe poderosamente a atenção uma colina que se encontrava à direita do caminho. Ela estava coberta de um verde maravilhoso, com numerosas árvores, pássaros e flores encantadoras. Tudo estava rodeado por uma pequena cerca envernizada. Uma pequena porta de bronze o convidava a entrar. De repente, sentiu que esquecia da cidade e não resistiu à tentação de descansar um momento naquele lugar.
O buscador atravessou o portal e começou a caminhar lentamente entre as brancas pedras distribuídas como que aleatoriamente entre as árvores. Permitiu que seus olhos pousassem como borboletas em cada detalhe deste paraíso multicor. Seus olhos eram olhos de um buscador e, talvez por isso, descobriu sobre uma daquelas pedras aquela inscrição:

"ABDUL TAREG VIVEU 8 ANOS, 6 MESES, 2 SEMANAS E 3 DIAS."

Sentiu-se um pouco angustiado ao perceber que essa pedra não era simplesmente uma pedra, era uma lápide. Sentiu pena ao pensar em uma criança tão nova enterrada naquele lugar. Olhando ao redor, se deu conta de que a pedra seguinte também apresentava uma inscrição. Aproximou-se e viu que estava escrito:

"YAMIR KALIB, VIVEU 5 ANOS, 8 MESES E 3 SEMANAS."

O buscador sentiu-se terrivelmente transtornado. Esse belo lugar era um cemitério e cada pedra sinalizava uma tumba. Uma por uma, começou a ler as lápides. Todas tinham inscrições similares: um nome e o exato tempo de vida do morto. Porém, o que lhe causou maior espanto foi comprovar que quem mais tinha vivido, apenas ultrapassava os anos...
Invadido por uma dor muito grande, sentou-se e começou a chorar. A pessoa que tomava conta do cemitério, que nesse momento por ali passava, aproximou-se. Permaneceu em silêncio enquanto olhava o homem chorar e, após algum tempo, perguntou-lhe se chorava por alguma pessoa da família.
O buscador respondeu: - Não, ninguém da família. O que se passa nessa cidade? Que coisa tão terrível acontece aqui? Por que tantas crianças mortas enterradas neste lugar? Qual a horrível maldição que pesa sobre essas pessoas que as obrigou a construir um cemitério de crianças?
O velho sorriu e falou: - Pode acalmar-se. Não existe nenhuma maldição. O que acontece é que aqui temos um antigo costume que lhe contarei... Quando um jovem completa seus quinze anos, ganha de seus pais uma caderneta, como esta que eu mesmo levo aqui, pendurada no meu pescoço, é uma tradição entre nós que, a partir deste momento, cada vez que você desfrutar intensamente de alguma coisa, abra sua caderneta e escreva nela: à esquerda, o que foi desfrutado; à direita, o tempo que durou o prazer. Conheceu uma moça e se apaixonou por ela? Quanto tempo durou essa enorme paixão e o prazer de conhecê-la? Uma semana? Duas? Três semanas e meia? E depois? A emoção do primeiro beijo, quanto durou? O minuto e meio do beijo? Dois dias? Uma semana? E a gravidez ou o nascimento do seu primeiro filho? E o casamento dos amigos? E a tão desejada viagem? E o encontro com o irmão que retorna de um longínquo país? Quanto tempo desfrutou dessas situações? Horas, dias? Assim, vamos anotando na caderneta cada momento que desfrutamos... Cada momento. Quando alguém morre, é nosso costume abrir a caderneta e somar o tempo desfrutado para gravá-lo sobre a pedra, porque este é, para nós, O ÚNICO TEMPO VIVIDO.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Aula de Filosofia


Numa aula de Filosofia o professor queria demonstrar um conceito aos seus alunos. Para tanto, ele pegou em vaso de boca larga e dentro colocou, primeiramente, algumas pedras grandes. "Então" - perguntou à classe - "está cheio?"
Pelo que viam, o vaso estava repleto e, por isso, os alunos unanimemente responderam: "Sim!".
O professor então pegou um balde de pedregulhos e virou dentro do vaso. Os pequenos pedregulhos se alojaram nos espaços, entre as pedras grandes. Então, ele perguntou aos alunos: "E agora, está cheio?".
Desta vez, alguns estavam hesitantes, mas a maioria respondeu: "Sim!". Continuando, o professor levantou uma lata de areia e começou a derramar a areia dentro do vaso. A areia preencheu os espaços entre as pedras e os pedregulhos. E, pela terceira vez, o professor perguntou: "Então, está cheio?".
Agora, a maioria dos alunos estava receosa, mas, novamente muitos responderam: "Sim!". Finalmente, o professor pegou um jarro com água e despejou o líquido no vaso. A água encharcou e saturou a areia. Neste ponto, o professor perguntou para a classe: "Qual o objetivo desta demonstração?".
Um jovem e "brilhante" aluno levantou a mão e respondeu: "Não importa quanto a "agenda" da vida de alguém esteja cheia, ele sempre conseguirá espremer mais coisas dentro!". "Não exatamente!", respondeu o professor. "O ponto é o seguinte: a menos que você, em primeiro lugar, coloque as pedras grandes dentro do vaso, nunca mais conseguirá colocá-las lá dentro. Vamos! Experimente!". Disse o professor ao aluno, entregando-lhe outro vaso igual ao primeiro, com a mesma quantidade de pedras grandes, de pedregulhos, de areia e de água.
O aluno começou a experiência, colocando a água, depois a areia, depois os pedregulhos e, por último, tentou colocar as pedras grandes. Verificou, surpreso, que elas não couberam no vaso. Ele já estava repleto de coisas menores. Então o professor explicou para o rapaz: "As pedras grandes são as coisas realmente importantes de sua vida - seu crescimento pessoal e espiritual. Quando você dá a prioridade a isso e mantêm-se aberto para o novo, as demais coisas se ajustarão por si só: seus relacionamentos (família, amigos), suas obrigações (profissão, afazeres), seus bens materiais e todas as demais coisas menores que completam sua vida. Por outro lado, se você preencher sua vida somente com as coisas pequenas, então aquelas que são realmente importantes nunca terão espaço em sua vida".
Recomece. É uma boa sugestão. Esvazie seus vasos (mental, emocional) e comece a preenchê-los com as pedras grandes. Ainda há tempo. Ainda é tempo. Sempre é.

O Diabo e seus nomes



Qual a origem dos nomes que designam o Diabo?
No Velho Testamento, aparece a palavra sathan, que em hebraico significa "adversário" - e é um título e não um nome, como hoje em dia.
No Novo Testamento (Lucas/Matheus), aparece diabolos, palavra grega que significa "acusador, difamador" (que posteriormente originou a forma latina diabolus). Acontece que, nos séculos II e III, os apologistas de Alexandria que traduziram o Antigo Testamento do hebraico para o grego, traduziram sathan por diabolos (embora essas palavras não significassem a mesma coisa). Aí começou a confusão...
Demônio vem do grego daimon/daimonion, que significava apenas um espírito mediador entre os deuses e os homens (que podia ser bom ou mau) ou o "gênio" de um homem. Esses mesmos apologistas alexandrinos identificaram os "demônios platônicos" com os deuses pagãos. E, desta forma, esses demônios passaram a ser maus, identificados com os diabolos.
Conclusão: as palavras demônio (daimon/daimonion); diabo (diabolos/diabolus); satã/satanás (sathan em hebraico e sathanas em aramaico) passaram a significar a mesma coisa. Já o nome lúcifer vem de uma interpretação errônea de Isaías 14:12 ("como caíste do céu, ó Lúcifer, filho da alva !"). Isso nada mais era do que uma metáfora para a queda de um rei tirânico da Babilônia (rei = estrela brilhante). Em hebraico: "helel ben shahar" (o que brilha); que foi traduzido para o grego: "eosphorus"; que foi traduzido para o latim: "lucifer" (o que leva a luz). Aí veio a confusão porque os romanos utilizavam esta palavra também para designar o planeta Vênus, "a estrela da manhã".
Pra completar, posteriormente o rei tirânico da Babilônia foi identificado com o Diabo (porque Babilônia = terra de cativeiro, povo pecador e que adorava deuses pagãos, etc.). Por isso lucifer (interpretado erroneamente como o nome de um homem) passou a ser mais um sinônimo de Diabo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Asmodeus e os 72 Demônios Cabalísticos



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Existem 72 falanges de demônios que são exatamente a parte oposta, ou a sombra, dos 72 anjos, uma vez que, no universo, tudo tem sua contra-parte. O número 72 é encontrado também nos nomes sagrados de Deus (YHVH), indicando, ainda, as 72 leis de onde se originam todas as outras.
Como existem quatro mundos dentro da Cabala, a cada mundo corresponde um tipo de energia: Mundo Divino (atributos de Deus), Mundo Espiritual (atributos arcangélicos), Mundo Psicológico (atributos angélicos) e Mundo Físico (atributos da natureza). Todos os mundos são divididos em 72 (7 + 2 = 9), que coresponde ao número de sephiras após a primeira emanação. E como tudo tem sua contra-parte, existem exatamente quatro mundos abaixo desses. Os 72 demônios são os 72 atributos negativos do universo. Afinal, só enxergamos a Luz por causa das trevas e, assim, tudo no universo tem sua parte oposta.
No "LEMEGETON", cujo mais antigo manuscrito conhecido data do séc. XVII na França, existem instruções para invocar os 72 espíritos de demônios que o rei Salomão, na época da construção do Templo de Jerusalém, aprisionou numa garrafa de metal e atirou num lago. Conta-se que os babilônios descobriram a garrafa, e, julgando tratar-se de um grande tesouro, inadvertidamente, libertaram os demônios (que retornaram aos seus centros de poder, à exceção de Belial, que foi entronizado como ídolo babilônico e forneceu oráculos em troca de sacrifícios). Um desses demônios é ASMODEUS, ASHMEDAI ou ASHMODAI em hebraico (que significa "destruidor", e deriva do persa "AESHAM-DEV" - demônio da concupiscência). Ele teria três cabeças: de touro, carneiro e homem; pés de ganso ou de galo e rabo de cobra. Seria também o responsável pelos problemas no casamento; demônio da luxúria, lascívia e adultério. Supostamente era capaz de revelar aos homens segredos escondidos e tesouros, podendo ainda ensinar o segredo da invisibilidade. Ele aparece também no "Paradise Lost" (1667) de Milton, e no "Apocryphal Book of Tobit" (Livro Apócrifo de Tobias). Neste último, conta-se que ASMODEUS se apaixonou por Sarah, filha de Rachel, matando sete sucessivos maridos da jovem na noite de núpcias. Entretanto, o jovem Tobias, igualmente apaixonado por Sarah (ela devia ser uma Gisele Bündchen da época Talmúdica), conseguiu derrotar ASMODEUS, seguindo as instruções dadas pelo anjo Raphael, e casou com a moçoila.
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O "Sem Pavor" - lenda do séc. XII...



1) Castelo de São Jorge (Lisboa). 2) Estátua de Cavaleiro Templário localizada dentro do castelo. 3) Escultura que comprei. 4) Catedral de Évora, onde a escultura original está localizada.

Quando visitei o castelo de de São Jorge (Lisboa) no ano passado, conheci um finlandês – Saul Wallin – que vendia umas esculturas lindas em gesso, imitando imagens medievais esculpidas em pedra, de monumentos conhecidos de Portugal. Nem precisa dizer que eu amei todas! Comprei uma que reproduz o brasão de Évora com Giraldo Geraldes – o “Sem Pavor”. Achei a história desse cara "deveras interessante"...
Ele era fidalgo da corte, no séc. XII, e matou um cavaleiro cristão, ao que parece um queridinho de D. Nuno, grande valido de D. Afonso Henriques que, por isso, resolveu desterrá-lo. Para resgatar sua honra e o perdão para os seus homens, Giraldo decidiu reconquistar Évora (Yeborath) aos mouros. Disfarçado de trovador, numa noite de 1166, o Sem Pavor escalou sozinho uma torre do castelo que era vigiada por um velho mouro e sua filha, matando os dois e obtendo a chave das portas da cidade. Abriu então os portões para seus soldados que, valendo-se da escuridão, liquidaram os soldados mouros e conquistaram a cidade. O rei o perdoou e o fez Alcaide perpétuo da cidade. Ainda hoje, a cidade tem no brasão, a figura de Giraldo e as duas cabeças dos pobres mouros – que é exatamente a imagem gravada na placa que eu comprei. Comentário inevitável: matar um cristão é um crime terrível, mas cortar as cabeças de um pobre velhinho mouro e sua filha é o que, hein?!