domingo, 10 de fevereiro de 2008

O buscador



Um buscador é alguém que busca, não necessariamente alguém que encontra. Também não é necessariamente alguém que sabe o que está buscando, é simplesmente alguém para quem sua vida é uma busca permanente...
Um dia o buscador sentiu que devia ir a cidade de Kammir, de maneira que abandonou tudo e partiu. Após dois dias de marcha em empoeirados caminhos, lá longe divisou a cidade. Um pouco antes de chegar, chamou-lhe poderosamente a atenção uma colina que se encontrava à direita do caminho. Ela estava coberta de um verde maravilhoso, com numerosas árvores, pássaros e flores encantadoras. Tudo estava rodeado por uma pequena cerca envernizada. Uma pequena porta de bronze o convidava a entrar. De repente, sentiu que esquecia da cidade e não resistiu à tentação de descansar um momento naquele lugar.
O buscador atravessou o portal e começou a caminhar lentamente entre as brancas pedras distribuídas como que aleatoriamente entre as árvores. Permitiu que seus olhos pousassem como borboletas em cada detalhe deste paraíso multicor. Seus olhos eram olhos de um buscador e, talvez por isso, descobriu sobre uma daquelas pedras aquela inscrição:

"ABDUL TAREG VIVEU 8 ANOS, 6 MESES, 2 SEMANAS E 3 DIAS."

Sentiu-se um pouco angustiado ao perceber que essa pedra não era simplesmente uma pedra, era uma lápide. Sentiu pena ao pensar em uma criança tão nova enterrada naquele lugar. Olhando ao redor, se deu conta de que a pedra seguinte também apresentava uma inscrição. Aproximou-se e viu que estava escrito:

"YAMIR KALIB, VIVEU 5 ANOS, 8 MESES E 3 SEMANAS."

O buscador sentiu-se terrivelmente transtornado. Esse belo lugar era um cemitério e cada pedra sinalizava uma tumba. Uma por uma, começou a ler as lápides. Todas tinham inscrições similares: um nome e o exato tempo de vida do morto. Porém, o que lhe causou maior espanto foi comprovar que quem mais tinha vivido, apenas ultrapassava os anos...
Invadido por uma dor muito grande, sentou-se e começou a chorar. A pessoa que tomava conta do cemitério, que nesse momento por ali passava, aproximou-se. Permaneceu em silêncio enquanto olhava o homem chorar e, após algum tempo, perguntou-lhe se chorava por alguma pessoa da família.
O buscador respondeu: - Não, ninguém da família. O que se passa nessa cidade? Que coisa tão terrível acontece aqui? Por que tantas crianças mortas enterradas neste lugar? Qual a horrível maldição que pesa sobre essas pessoas que as obrigou a construir um cemitério de crianças?
O velho sorriu e falou: - Pode acalmar-se. Não existe nenhuma maldição. O que acontece é que aqui temos um antigo costume que lhe contarei... Quando um jovem completa seus quinze anos, ganha de seus pais uma caderneta, como esta que eu mesmo levo aqui, pendurada no meu pescoço, é uma tradição entre nós que, a partir deste momento, cada vez que você desfrutar intensamente de alguma coisa, abra sua caderneta e escreva nela: à esquerda, o que foi desfrutado; à direita, o tempo que durou o prazer. Conheceu uma moça e se apaixonou por ela? Quanto tempo durou essa enorme paixão e o prazer de conhecê-la? Uma semana? Duas? Três semanas e meia? E depois? A emoção do primeiro beijo, quanto durou? O minuto e meio do beijo? Dois dias? Uma semana? E a gravidez ou o nascimento do seu primeiro filho? E o casamento dos amigos? E a tão desejada viagem? E o encontro com o irmão que retorna de um longínquo país? Quanto tempo desfrutou dessas situações? Horas, dias? Assim, vamos anotando na caderneta cada momento que desfrutamos... Cada momento. Quando alguém morre, é nosso costume abrir a caderneta e somar o tempo desfrutado para gravá-lo sobre a pedra, porque este é, para nós, O ÚNICO TEMPO VIVIDO.


2 comentários:

Flávia disse...

seu blog é ótimo! obrigada por escrevê-lo e compartilhá-lo.

estava pensando sobre o tempo vivido e o tempo sonhado ontem mesmo.

Unknown disse...

Obrigada, Flávia! Que bom que vc gostou! E escrever aqui é uma terapia pra mim...